O PENSAMENTO CRISTÃO   " Medieval "

 

Quem não se ilumina com  o esplendor de coisas tão grandes  como as coisas criadas, é cego, quem não desperta com tantos clamores, é surdo, quem, com todas essas coisas, não se pões a louvar Deus, é mudo, quem, a partir de indícios tão evidentes não volta a mente para o primeiro princípio, é tolo.

 

                                                                                                          São Boaventura

 

 

            Ao longo do século V D.C, o império Romano do Ocidente Sofreu ataques constantes dos  " povos bárbaros ". Do confronto desses povos invasores com os romanos desenvolveu-se uma nova estruturação da vida social européia, que corresponde ao período medieval.

            Em meio ao esfacelamento do império Romano, decorrente, em grande parte, das invasões germânicas, a Igreja católica conseguiu manter-se como instituição social. Consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana.

            Apoiada em sua crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, ás vezes a função de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, vasta riqueza material, tornou-se dona de aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa época em que a terra era a principal base da riqueza.

 

 

 

                            OS CONFLITOS E A CONCILIAÇÃO

                                             ENTRE A FÉ E A RAZÃO

 

 

Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganadoras especulações da  "filosofia " , segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.

 

                                                                                                                  São Paulo

 

            No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influência, traçando um quadro intelectual em que a fé cristã era o pressuposto da vida espiritual.

            Em que consistia essa fé ?

            Consistia na crença irrestrita ou na adesão incondicional às verdades reveladas  por Deus aos homens. Verdades expressas nas Sagradas   Escrituras ( Bíblia ) e interpretadas segundo a autoridade da Igreja.

            De acordo com a doutrina católica, a fé representa a fonte mais elevada das verdades  especialmente aquelas verdades essenciais ao homem e que dizem respeito à sua salvação. Neste sentido, afirmava Santo Ambrósio ( 340-397, aproximadamente )  Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo.

            Assim toda investigação filosófica ou científica não poderia, de modelagem contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Segundo essa orientação, os filósofos não precisavam se dedicar â busca da verdade, pois ela já havia sido revelada por Deus aos homens. Restava-lhe, apenas, demostrar racionalmente as verdades da fé.

            Não foram poucos porém, aqueles  que dispensaram até mesmo essa comprovação racional da fé. Eram os religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma pagã de pensamento uma porta aberta para o pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia ( doutrina contrária as estabelecimento pela igreja, em termos de fé ).

             Por outro lado, surgiram pensadores cristãos que defendiam o conhecimento da filosofia grega, sentindo a possibilidade de utilizá-la como instrumento a serviço do cristianismo. Conciliando a fé cristã, o estudo da filosofia grega permitiria á igreja á igreja enfrentar os descrentes e derrotar os hereges com as armas racionais da argumentação lógica. O objetivo era convencer os descrentes, tanto quanto possível, pela razão, para depois fá-los aceitar a imensidão dos mistérios divinos, somente acessíveis â fé.

            Nesse contexto, a filosofia medieval pode ser dividida em quatro momentos principais:

 

a)     Padres Apostólicos, do início do cristianismo ( século I e II ), entre os quais se incluem os apóstolos, que disseminavam a palavra de Cristo, sobretudo em relação aos temas morais. Entre estes se destaca a figura de São Paulo pelo volume e valor literário de suas epístolas ( cartas escritas por um dos apóstolos )

b)     Padres Apologistas,  ( séculos III e IV ), que faziam a apologia do cristianismo contra a filosofia pagã. Entre os apologistas destacam-se Origenes, Justino e Tertuliano, o mais intransigente na defesa da fé contra a filosofia grega,

c)     Patrística ( de meados do século IV ao século VIII ), no qual se busca uma conciliação entre a razão e a fé e se destacam a figura de Santo Agostinho  e a influência da filosofia platônica.

d)     Escolástica, ( do século IX a XVI ), no qual se buscou uma sistematização da filosofia cristã, sobretudo a partir da interpretação da filosofia de Aristóteles, e se destaca a figura de Santo Tomás de Aquino.

 

A característica fundamental dessa filosofia medieval é a ênfase nas questões teológicas, destacando-se temas como: o dogma da Trindade, a encarnação de Deus-filho, a liberdade e a salvação, a relação entre fé e razão.

     

                                     PATRÍSTICA                                                                     A fé em busca de argumentos racionais a partir de uma matriz platônica

 

      Com o desenvolvimento do cristianismo, tornou-se necessário explicar seus preceitos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica  sabia que esses preceitos não podiam simplesmente ser impostos pela força. Tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de pregação e conquista espiritual.

      Foi assim que os primeiros padres da Igreja se empenharam na elaboração de inúmeros textos sobre a fé e a revelação cristã. O conjunto desses textos ficou conhecido com patrística por terem sido escritos principalmente pelos grandes padres de Igreja.

      Uma das principais correntes da filosofia patrística, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos racionais. Esse projeto de conciliação entre o cristianismo e o pensamento pagão teve como principal expoente o padre Agostinho, posteriormente consagrado santo pela igreja.

 

 

                                   Santo Agostinho

                     A Certeza da Razão por meio Da Fé                                               

 

Compreender para crer, crer para compreender.

                                                                                                          Santo Agostinho

 

Aureliano Agostinho ( 354-430 )   nasceu em Tagaste, província  romana situada na África, e faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia. Nesta cidade ocupou o cargo de bispo da Igreja católica.

Até completar 32 anos, Agostinho não era cristão. Teve uma vida voltada aos prazeres do mundo. De uma ligação amorosa ilícita para a época, nasceu-lhe o filho Adeodato. Foi professor de retórica em escolas romanas.

Em sua formação intelectual, Agostinho sentiu-se despertado para a filosofia pela leitura de Cícero. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo  manequeismo, doutrina persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal, mantendo uma incessante luta entre si.

Mais tarde, já insatisfeito com o maniqueismo, viajou para Roma e Milão , entretanto em contato com o ceticismo e, depois com o neoplatonismo movimento filosófico do período greco-romano, desenvolvido por pensadores inspirados em plantão, que se espalhou por diversas cidades do império romano sendo marcado por sentimentos religiosos e crenças místicas.

Cresceu e se aprofundou em agostinho uma grande crise existencial, uma inquietação quase desesperada em busca de sentido para a vida.

Agostinho defendeu a superioridade da alma humana, isto é, a supremacia do espírito sobre o corpo, a matéria. A alma teria sido criada por Deus para reina sobre o corpo, para dirigi-lo à prática do bem. O homem pecador, entretanto , utilizando-se do livre- arbítrio, costuma inverter essa relação,    fazendo o corpo assumir o governo da alma. Provoca, com isso , a submissão do espírito á matéria, equivalente á subordinação do eterno ao transitório, da essência `à aparência. Mas a verdadeira liberdade estaria na harmonia das ações humanas com a vontade de Deus. Ser livre é servir a Deus, pois o prazer é a escravidão.

Segundo o filósofo, o homem que trilha a vida do pecado só consegue retornar aos caminhos de Deus e da salvação mediante a combinação de seu esforço pessoal de vontade e a concessão, imprescindível, da graça divina. Sem a graça de Deus, o homem nada pode conseguir. E nem todas as pessoas são dignas de receber essa graça, mas somente alguns eleitos, predestinados `a salvação.

A questão da graça, tal como colocada por santo Agostinho, marcou profundamente o pensamento medieval cristão.

Na época de Agostinho, outro teólogo, pelágio, afirmava que a boa vontade e as boas obras humanas seriam suficiente para a salvação individual. Era a doutrina do pelagianismo.

Agostinho colocou-se contra essa doutrina e, no concílio de Cartago do ano de 417, o papa Zózimo condenou o pelagianismo como heresia e adotou a concepção agostiniana da necessidade da graça divina, doada livremente por Deus aos seus eleitos.

O pelagianismo não podia ser adotado pela Igreja católica porque conservava a noção grega da autonomia da vida moral humana, isto é, a noção de que o homem pode salvar-se por si só, sendo bom e fazendo boas obras, sem a necessidade da ajuda divina. Essa noção se chocava com a idéia de submissão total do homem ao Deus cristão, defendida pela Igreja. É interessante a seguinte observação a respeito da condenação do pelagianismo, como heresia, pelo papa Zózimo. " O fato de assim a Igreja Ter se pronunciado por tal doutrina assinalou o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica " .

Uma conseqüência  disso é a forma como se passa a enfatizar a subjetividade, a individualidade. Enquanto na filosofia grega o indivíduo se identifica com o cidadão ( isto é, o homem social, político ), a filosofia cristã, sobretudo a partir de Santo Agostinho, enfatiza no indivíduo sua vinculação pessoal com Deus e exalta a salvação individual.

Outro aspecto fundamental da filosofia agostiniana é o entendimento de que a vontade é uma força que determina a vida  e não uma função específica ligada ao intelecto, tal como diziam os gregos. Agostinho contrapõe-se, dessa forma, ao intelectualismo moral, que teve sua expressão máxima em Sócrates.

Isso significa que, de acordo com Santo Agostinho, liberdade humana é própria da vontade e não da razão. E é nisso que reside a fonte do pecado. O indivíduo peca porque usa de seu livre-arbítrio para satisfazer sua vontade, mesmo sabendo que tal atitude é pecaminosa. Por isso, Santo Agostinho afirma em sua vida moral, isto é, deliberar livremente sobre sua conduta. Como o que conduz seus atos é a vontade e não a razão, o homem pode querer o mal , razão pela qual ele necessita da graça divina para salvar-se, pois a razão não o salvara.

Agostinho também discutiu a diferença existente entre fé cristã e razão, afirmando que a fé nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razão: "creio tudo o que entendo, mas nem tudo compreendo conheço, mas nem tudo que creio conheço".

Baseando-se no profeta bíblico Isaías, dizia ser necessário crer para compreender, pois a fé ilumina os caminhos da razão, e que a compreensão nos confirma a crença posteriormente. Isso significa que, para Agostinho, a fé revela verdades ao homem de forma direta e intuitiva. Vem depois a razão esclarecendo aquilo que a fé já antecipou.

 

                              Do helenismo

                              Ao cristianismo

 

O pensamento de Agostinho reflete, em grande medida, os principais passos de sua trajetória intelectual.

Do maniqueísmo ficou uma concepção dualista, simbolizada pela luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo. Nesse sentido, dizia que o homem tem uma inclinação natural para o mal, para os vícios, para o pecado. Insistia em que já nascemos pecadores ( pecado original ) e somente um esforço consciente pode nos fazer superar essa deficiência "natural ". Considerando o mal como o afastamento de Deus, defendia a necessidade de uma intensa educação religiosa, tendo como finalidade reduzir essa distancia.

Do ceticismo ficou a permanente desconfiança nos dados dos sentidos, isto é, no conhecimento sensorial, conhecimento que nos apresenta uma  multidão de seres multáveis, flutuantes e transitórios.

Do neoplatonismo,  Agostinho assimilou a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no " mundo das idéias "

Com o cristianismo, defendeu a via do autoconhecimento, o caminho da interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. Somente o íntimo de nossa alma, iluminada por Deus, poderia atingir a verdade das coisas.  Da mesma forma que os olhos do corpo necessitam da luz do sol para enxergar os objetos do mundo sensível, os "olhos da alma" necessitam da luz divina para visualizar as verdades eternas da sabedoria.

   

                                         ESCOLÁSTICA

                         OS CAMINHOS DE INSPIRAÇÃO

                                ARISTOTÉLICA ATÉ DEUS                 

 

No século VIII, Carlos Magno organizou e fundou escolas ligadas às instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a Ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. Era período da renascença carolíngia.

Tendo a educação romana como modelo, começaram a ser ensinadas matérias como gramática, retórica e dialética (o trivium) e geometria, aritmética, astronomia e música (o quadrivim).

Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia.

No ambiente cultural dessas escolas e das primeira universidades do século XI surgiu uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola)

A partir do século XIII, o aristotelismo  penetrou de forma profunda  no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, desconhecidas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego.

Até cerca do século XII, os europeus só conheciam pequena parcela da filosofia de Aristóteles. Foi a partir das traduções e comentários feitos pêlos filósofos árabes que as obras de física, metafísica e ética passaram a ser conhecidas na Europa.

Aliás, filósofos árabes como Avicena e Averróis foram muito importantes na divulgação das obras de Aristóteles. Isso ocorreu porque, a partir do século VI, os árabes iniciaram uma série de guerras religiosas, buscando difundir o  islamismo. Dessa forma conquistaram parte do oriente e entraram em contato com a cultura grega, que influenciava essas regiões desde as conquistas de Alexandre Magno. Em 711, os árabes conquistaram parte da península Ibérica e, a partir dessa região, passaram a exercer uma influência notável vários setores de cultura européia, tanto na arquitetura como na literatura, nas ciências e na filosofia.

No período escolástico, a busca de harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se como problema básico de especulação filosófica. Nesse sentido, a escolástica pode ser dividida em três fases:

. primeira fase (do século IX ao fim do século XII) - caracterizada pela confiança

na perfeita harmonia entre fé e razão;

. Segunda fase (do século XIII ao princípio do século XIV) - caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaque as obras de Tomás de Aquino. Nessa fase, considerar-se que a harmonização entre fé e razão pode ser parcialmente obtida;

.Terceira fase (do século XIV até o século XVI) - decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais entre fé razão.

         Além de apresentar a característica fundamental da filosofia medieval, que é a referência às questões teológicas, a escolástica trouxe significativos avanços no estudo da lógica.

         Um dos principais filósofos que contribuiu para o desenvolvimento dos estudos lógicos foi boécio, que, embora tenha vivido de 480 a 524, é considerado o primeiro dos escolásticos. Eles aperfeiçoou o quadrado lógico, sistema de relações entre afirmativas que fornece a base lógica para garantir a validade de certas formas elementares de raciocínio. Também foi o primeiro a introduzir a questão dos universais, problemas filosófico longamente discutido por todo o período da escolástica.

 

                                    A QUESTÃO DOS UNIVESAIS:

                                         O QUE HÁ ENTRE AS

                                       PALAVRAS E AS COISAS

 

       O método escolástico de investigação ,segundo o francês contemporâneo Jacques  Le Goff, privilegiava o estudo da linguagem (o trivium) para depois passar para o exame das coisas (o quadrivim). Desse método surgiu a seguinte pergunta: qual a relação entre as palavras e as coisas?

Rosa, por exemplo é o nome de uma flor. Quando a flor morre , a palavra rosa continua existindo. Nesse caso, a palavra fala de uma coisa inexistente, de uma idéia geral. Mas como isso acontece ? O grande inspirador da questão foi o filósofo neoplatônico Porfirio ( 234 – 305, aproximadamente ), em sua obra Isagoge :

 

“ Não tentarei enunciar se os gêneros e as espécies existem por si mesmo ou pura inteligência, nem, no caso de subsistirem, se são corpóreos ou incorpóreos, nem se existem separados dos objetos sensíveis ou nestes objetos, formado parte dos mesmos 

 

                                 Aberlado. Isagoge, Apud História do Pensamento, v 1, p 161.

 

 

            Esse problema filosófico gerou muita disputa. Era a grande discussão sobre a existência ou não da  idéias gerais,  isto é chamados universais  de Aristóteles.  Tal discussão ficou conhecida como a questão do universais, isto é,  da relação entre as coisas e seus conceitos, e envolvia não apenas problemas lingüísticos e gnoseológicos ( relativos á questão do conhecimento ), mas também teológicos.

            Em relação a essa questão, surgiram duas correntes posições antagônicas o realismo e o nominalismo.

            O Realismo sustentava a tese de que os universais existiam de fato, ou seja, as idéias universais existiriam por si mesmas. Assim, por exemplo, a bondade, a beleza seriam modelos ou moldes a partir dos quais se criam as coisas boas e as coisas belas. Os termos universais se riam entidades metafísicas, essenciais separadas das coisas individuais.

            Essa posição foi defendida, por exemplo pelo abade beneditino e arcebispo de Cantuária ( cidade inglesa ) Santo Anselmo  ( 1035 – 1109 ) que acreditava que a idéias universais existiriam na mente divina. O filósofo e bispo francês Guilherme de Champeaux   ( 1070 – 1121 )  também era realista e acreditava que entre o universo das coisas e o universo dos nomes havia uma analogia tal que quanto  ma universal fosse o termo gramatical, maior seria o seu grau de participação na perfeição original da idéia. Assim, por exemplo, o substantivo brancura teria uma perfeição maior do que o adjetivo branco, que se refere a um ente singular. Na mesma linha de raciocínio de Platão, o universal  brancura seria mais perfeito do que qualquer cisa branca  existente.

            O Nominalismo sustentava a tese de que todos os termos universais, tais como beleza, bondade e etc., não existiriam em si mesmos , pois seriam apenas palavras sem uma existência real. Para os nominalistas, o que existe são apenas os seres singulares, e o universal não passa, portanto, de um nome, uma convenção.

            Essa era a posição do filósofo francês Roselin de Compiègne ( 1050 – 1120 ), autor segundo a qual só existiria  a individualidade. Logo , anulam-se os termos universais. Roselin também negava que Deus pudesse ser uno e trino ao mesmo tempo, porque, para ele, cada pessoa da trindade seria uma individualmente separada.             Entre essas duas posições contrarias, surgiu uma terceira, o  Realismo Moderado,  sustentado por Pedro Aberlado  ( 1079 – 1142 ).

            De acordo com Aberlado, só existem as realidades singulares. No entanto, é possível que se busquem semelhanças entre os seres individuais, através de abstração, de tal maneira a gerar os conceitos universais. Tais conceitos não seriam,  de acordo com Aberlado, nem entidades metafísicas ( posição do realismo ) nem palavras vazias ( posição do nominalismo ), e sim discursos mentais, categorias lógico – lingüísticas que fazem a mediação, a ligação entre o mundo do pensamento e o mundo do ser.

            A importância da questão dos universais está não só no avanço que essa discussão possibilitou em relação à busca do conhecimento da realidade, mas também porque, através dela, se alcançou um alto nível de desenvolvimento lógico – lingüístico, que propiciou o surgimento de uma razão autônoma em relação à teologia, por volta do século XII.

           

                               Santo Tomás de Aquino

                                 A Cristianização de Aristóteles

 

            “Se é correto que a verdade da fé cristã ultrapassa  as    capacidades    da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural.”

                                                                                            Santo Tomás de Aquino

 

             Santo Tomás de Aquino  ( 1226 – 1274 ) nasceu em Nápoles, Sul da Itália, e faleceu no convento Fossanuova, próximo de sua cidade natal. Aos 49 anos de idade,  foi a figura mais destacada do pensamento cristão medieval, e elaborou os princípios da doutrina cristã numa síntese filosófica que teve como base o pensamento de Aristóteles, através das traduções árabe.

            Inserido no movimento escolástico, a filosofia de Tomás de Aquino ( o tomismo ) já nasceu com objetivos claros : Não contrariar a fé.  De fato, a finalidade de sua filosofia era de organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo.

            Assim, Tomás de Aquino reviveu em grande parte o pensamento aristotélico com a finalidade de nele buscar os elementos racionais que explicassem os principais aspectos da fé cristã. Enfim, fez da filosofia de Aristóteles um instrumento a serviço da religião católica, ao mesmo tempo em que transformou essa filosofia numa síntese original.

            Retomando as idéias de Aristóteles sobre o ser , Tomás de Aquino enfatizou a importância da realidade sensorial. No processo de conhecimento dessa realidade, ressaltou uma série de princípios considerados básicos, dentre os quais se destacam :

a)     Princípio da não contradição,  o ser é ou não é , não existe nada que possa ser ou não ser  ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista ;

b)     Princípio da Substância, na existência dos seres podemos distinguir a substância ( a essência, propriamente dita, de uma coisa, sem a qual ela não seria aquilo que é )  do   acidente   ( a qualidade não essencial, acessória do ser ) ;

c)      Princípio da causa eficiente.  Todos os seres que captamos pelos sentidos são seres contigentes, isto é, não possuem, em si próprios, a causa eficiente de suas existências. Portanto para existir, o ser contigente depende de outro ser que representa a sua causa eficiente, chamado de ser necessário ;

d)     Princípio da Finalidade,  todo ser contigente existe em função  de uma finalidade, de um objetivo, de uma razão de ser. Enfim ,todo ser contigente possui uma causa final ;

e)     Princípio do Ato da Potência,  todo ser contigente possui duas dimensões o ato e a potência. O Ato representa a existência atual do ser, aquilo que está realizado e determinado. A Potência  representa a capacidade real do ser, aquilo que não se realizou mas pode realizar-se . É´  passagem da potência para o ato que explica toda e qualquer mudança.

Não se pode dizer, no entanto, que Santo Tomás apenas adaptou a filosofia de Aristóteles ao cristianismo. O que o filósofo escolástico empreendeu foi uma sistematização da doutrina cristã que se apoia em parte na filosofia aristotélica, mas que contém muitos elementos estranhos ao aristotelismo, o conceito de criação do mundo, a noção de um deus único, a idéia de que o vir-a-ser ( a passagem  da potência ao ato ) não é autodeterminado, mas procede de Deus.

Mais que isso, Santo Tomás introduziu um distinção entre o ser e a essência, dividindo a metafísica em duas partes a do ser em geral  e a do Ser pleno, que é Deus. De acordo com essa distinção, o único ser realmente pleno, no qual o ser e a essência se identificam, é Deus. Para Tomás de Aquino, Deus é ato puro. Não há o que se realizar ou se atualizar em Deus, pois ele é completo. Ele dirá que Deus é Ser, e o mundo tem ser. Ou seja, Deus é o Ser que existe como fundamento da realidade das outras essências que, uma vez existentes, participam de seu Ser.

Isso eqüivale a dizer que, nas outras criaturas, o ser é diferente da essência pois as criaturas são seres não-necessários. É´ Deus que permite às essências realizarem-se em entes, em seres existentes.

 

                     As Provas da Existência de Deus

 

Outro aspecto muito importante da filosofia tomista são as provas da existência de Deus. Em um de seus mais famosos livros a Suma Teológica, Santo Tomás propõe cinco provas de existência de Deus.

1.      O Primeiro Motor, tudo aquilo que se move é movido por outro ser. Por sua vez, este outro ser, para que se mova, necessita também  que seja movido por outro ser. E assim sucessivamente. Se não houvesse um primeiro ser movente cairíamos num processo indefinido. Logo, conclui Tomás de Aquino, é necessário  chegar a um primeiro ser movente que não seja movido por nenhum outro. Esse ser é Deus;

2.      A Causa Eficiente,  todas as cosias existentes no mundo não possuem em si próprias a causa eficiente de suas existências. Devem ser consideradas efeitos de alguma causa. Tomás de Aquino afirma ser impossível remontar indefinidamente à procura das causas eficientes. Logo, é necessário, admitir de uma primeira causa eficiente, responsável pela sucessão de efeitos. Essa causa primeira é Deus ;

3.      Ser Necessário e Ser Contingente,  este argumento é uma variante do segundo. Afirma que todo ser contigente, do mesmo modo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que existem podem deixar de ser, então, alguma vez, nada existiu. Mas, se assim fosse, também agora nada existiria, pois aquilo que não existe somente começa a existir em função de algo que já existia. E´ preciso admitir, então, que há um ser que sempre existiu, um ser absolutamente necessário, que não tenha fora de si a causa existência, mas ao contrário, que seja a causa da necessidade de todos os seres contigentes. Esse  ser necessário é Deus ;

4.      Os Graus da Perfeição,  em relação à qualidade de todas as coisas existentes, pode-se afirmar a existência de graus diversos de perfeição. Assim , afirmamos que tal coisa é melhor que outra, ou mais bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira  e etc... Ora , se uma coisa possui mais ou menos determinada qualidade positiva, isso supõe que deve existir um ser com o máximo dessa qualidade, no nível da perfeição. Devemos admitir então que existe um ser com o máximo de bondade, de beleza, de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser máximo e pleno. Esse ser é Deus.

5.      A Finalidade do Ser, todas as coisas brutas, que não possuem inteligência própria, existem na natureza cumprindo uma função, um objetivo, uma finalidade, semelhante à flecha dirigida pelo arqueiro. Devemos admitir, então, que existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo. Esse ser é Deus ;

 

                            O Mérito de Tomás De Aquino

 

            Proclamado pela Igreja Católica como o Doutor Angélico e o Doutor por Excelência, Tomás de Aquino é permanentemente reverenciado nos meios católicos pelos filósofos e professores de filosofia. Nesse sentido, o pensador católico contemporâneo Jacques Maritain escreveu sobre ele :

 

“Não só transportou para o domínio do pensamento cristão a filosofia de Aristóteles na sua integridade, para fazer dela o instrumento de uma síntese teológica admirável, como também e ao mesmo tempo superelevou e, por assim dizer, transfigurou essa filosofia a de todo vestígio de erro ( . . . )  sistematizou a poderosa e harmoniosamente, aprofundando-lhe os princípios, destacando as conclusões, alargando os horizontes, e se nada cortou, muito acrescentou, enriquecendo-a com o imenso tesouro da tradição latina e cristã “

                                Maritain, Jacques Introdução Geral á Filosofia, p. 65

 

            Já filósofos não – cristãos como Bertrand Russel questionam os méritos filosóficos de Tomás de Aquino, considerando – os insuficientes para justificar sua imensa reputação. Diz Russel :

Há pouco do verdadeiro espirito filosófico em Aquino ( . . . ) Não empenhado numa pesquisa cujo resultado não possa ser conhecido de antemão. Antes de começar a filosofar, ele já conhece a verdade, está declarada na fé católica. Se, aparentemente, consegue encontrar argumentos racionais para algumas partes da fé, tanto melhor; se não, basta – lhe voltar de novo à revelação. A descoberta de argumentos para uma conclusão dada de antemão não é filosofia, mas uma alegação especial. Não posso, portanto, admitir que mereça ser colocado no mesmo nível que os melhores filósofos da Grécia ou dos tempos modernos. “

                      Russel, Bertrand História da filosofia ocidental, v 2 p. 174

 

Em que pese essa discordância de opiniões sobre os méritos de Tomás de Aquino, é praticamente unânime o reconhecimento de que sua obra filosófica representou o apogeu do pensamento medieval católica. O tomismo, entretanto, foi sendo progressivamente questionado pelos movimentos filosóficos que se desenvolveram na Renascença e na Idade Moderna.

 

                       A Escolástica Pós – Tomista

 

Os artigos de fé não são princípios de demostrarão nem conclusões, não sendo nem mesmo prováveis já que parecem falsos para todos para a maioria ou para os sábios, entendendo por sábios aqueles que se entreguem à razão natural, já que só de tal modo se entende o sábio na ciência e na filosofia.

                                                                                  Guilherme de Ockham

 

Grandes acontecimentos históricos marcaram a Europa nos séculos XIII e XIV. Entre eles, estão a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra, a epidemia da peste bubônica. que matou cerca de três quartos da população européia, o cisma definitivo entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente, que entre outros fatores, diminuiu a influência da Igreja Católica Romana sobre o poder temporal ( o Estado ) e sobre a população a criação de novas universidades, que iniciam o desenvolvimento de questões relativas às ciências naturais e a autonomia da filosofia em relação à teologia. Esses são alguns dos fatores que levarão ao questionamento do pensamento escolástico bem como ao fim da Idade Média.

Entre os filósofos significativos ativos desse período, destacam – se :

·        São Boaventura ( 1240 – 1284 ) – iniciou uma reação contra a filosofia tomista e buscou recuperar a tradição platônica  agostiniana. Mais tarde  essa reação seria desenvolvida pelos filósofos e teólogos fransciscanos, sobretudo na Universidade de Osford, na Inglaterra.

·        Roberto Grosseteste  ( 1168 – 1243 ) e Roger Bacon ( 1214 – 1292 ) – iniciaram uma investigação experimental no campo das ciências naturais que abriu caminho para as coisas para as ciências moderna.

·        Guilherme de Ockham  ( 1280 – 1349 ) – proclamou uma distinção absoluta entre a fé e a razão. De acordo com Ockham, a filosofia não é serva da teologia, e a teologia não pode sequer ser considerada ciência, pois é tão somente um corpo de proposições mantidas não pela coerência racional, mas pela força da fé. Pensador empirista e nominalista, Ockham combateu a metafísica tradicional e iniciou o método da pesquisa cientifica moderna. Seu pensamento destacou – se porque apreendeu as transformações de seu tempo a ruptura entre a Igreja e os nascentes Estados racionais, a perda da concepção unitária da sociedade, que passou a se dividir cada vez mais entre o poder temporal ( Estado ) e o poder espiritual ( Igreja ), essa ruptura entre a fé e a razão, ocasionada pelo nascente desenvolvimento da razão autônoma, que buscou através da investigação empírica o conhecimento dos fenômenos naturais. 

 

 

Texto extraído do livro Fundamentos da Filosofia

Gilberto Cotrim ed.Saraiva pags.116 a 127

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