CRONICAMENTE INVIÁVEL

 

 

Cronicamente inviável é o titulo do filme de Sérgio Bianchi com imagens do Brasil que nos preocupam e indignam. Lá estão, numa linguagem cinematográfica de grande qualidade, as elites escachadas, a miséria material e espiritual do povo, a destruição ambiental, a impunidade dos poderosos, o carreirismo e enriquecimento a qualquer custo, a fome e a opulência, enfim tudo o que, a despeito dos mercados livres e dinâmicos (sic), pode tornar um país inviável. A crise que afeta o governo FHC, cuja aprovação despencou, se deve à crescente percepção de que o País se tornou mais dependente economicamente e socialmente excludente. Desde o governo Collor já contamos uma década de ajuste macroeconômico e de reformas conhecidas como neoliberais. Isto significa que o longo prazo de vigência dessas políticas já chegou. As conseqüências econômicas e sociais estão evidentes, já saíram, das sombras.

            O resultado macroeconômico sabe-se, é a estabilidade de preços, mas ela já não basta tal como bastou para a reeleição. O superávit fiscal primário é obtido às custas da precariedade das políticas públicas, cujo perigo se manifesta das estradas esburacadas aos hospitais e postos de saúde deteriorados.

            Os juros corroem o resultado primário das contas públicas, enquanto uma verdadeira reforma tributária é adiada, segue válida a piada de que no Brasil quem paga imposto são os assalariados, as viúvas e os cretinos.

            O equilíbrio do balanço de pagamentos depende de financiamento externo e de elevados investimentos estrangeiros diretos que nós comprometem com remessas crescentes de lucros, dividendos, royalties, juros. O sistema financeiro nacional segue como sempre aficcionado do rentismo, praticado pelos próprios bancos, pelos donos de grandes fortunas e pelas grandes empresas que se apropriam de polpudos rendimentos da divida pública, dolarizada ou não. No plano das reformas, a privatização e a desnacionalização implicam que as decisões de investimento encontram-se externalizadas e descompromissadas com a Nação, com a territorialidade econômica brasileira, com a integração nacional, alijando a participação do setor público e do empresariado nacional. A liberalização e desregulamentação financeiras ainda não foram radicalizadas a ponto de levar-nos á dolarização, mas vai ficando claro que os interesses já se aglutinam nessa direção como demonstram nossos países vizinhos.

            No capitalismo , o que significa ser um país viável ? o país tem que ter feito uma reforma agrária, erradicado a miséria e a pobreza extrema, atingido uma certa distribuição de renda, posto a funcionar alguma modalidade de Estado do Bem-estar organizado um sistema nacional de inovações, instituído algum padrão de financiamento externamente independente, criado uma moeda sólida e de preferência conversível mundialmente, organizado grupos econômicos privados capazes de competir internacionalmente, estabelecido consistência fiscal e divida pública adminsitrável sem abalo da confiança dos investidores, armando um balanço de pagamentos razoavelmente sólido frente ás turbulências internacionais inevitáveis. Foi isso o que fizeram os países do norte do continente, os europeus e os asiáticos avançados. Afinal, esta é a síntese do que foi, até o advento da chamada globalização, o desenvolvimento capitalista nos países centrais, alvo que seria atingido, segundo certas interpretações, pelos países em desenvolvimento. Nas últimas décadas nos países centrais pioraram a situação do trabalho e a instabilidade financeira. Mas foi nos países periféricos onde se deu o esmagamento da perspectiva de desenvolvimento, a recorrência na dependência subdesenvolvida.

            Preocupar-se com a inviabilidade do País não significa sustentar a tese da estagnação econômica, como já o fez, equivocadamente, parte da esquerda no anos 60. É preciso avaliar melhor as mudanças estruturais para poder estabelecer uma hipótese sobre isto. Entretanto, não há evidência para a outra hipótese de que essa inserção internacional será uma associação bem-sucedida capaz não apenas de provocar crescimento como de viabilizar o País mo sentido a que nos referimos. O pesadelo é que quanto maior o êxito do programa FHC, maior será o aprofundamento de nossa dependência, mais distante nos encontramos de superar os determinantes de nossa inviabilidade.

            Não se vislumbra continuidade na formação nacional, ainda que algum crescimento exista, já que a incorporação social é insuficiente em função das características dessa globalização subdesenvolvida,.

            A desagregação da territorialidade econômica será progressiva e as energias do Estado gradativamente dissipadas, reduzindo a chance de se constituir aqui um capitalismo avançado. Será na melhor das hipóteses, um capitalismo de poucas, pára poucos, que dificilmente conduzirá a um verdadeiro país.

            O sociólogo francês Pierre Bourdieu esclarece lucidamente, o fundamento último desta ordem é a violência estrutural do desemprego. È um programa de destruição metódica da coletividade, de questionamento das estruturas coletivas que se opõe á lógica do mercado puro, de glorificação do sistema econômico como uma máquina lógica de inexorabilidade matemática a cuja descrição cientifica a teoria econômica se aplica. Aquela violência se instaura pela descontrolada acumulação de capital, pela redução das despesas públicas produtivas, pela diminuição do custo de mão-de-obra (ainda que este não esteja a ameaçar os lucros), pela flexibilização do trabalho.

            O programa neoliberal, pensa Bourdieu, tende globalmente a favorecer a ruptura entre a Economia e  as realidades sociais. A nova ordem é a do indivíduo solitário, mas livre, livre no seio do mecanismo puro e anônimo do mercado cuja dinâmica tecnológica o expelirá, tornando-o livre e desempregado, irônico é que se as crises – no máximo reconhecidas como passageiras “bolhas especulativas”- não conduzem ao caos é porque ainda funcionam instituições da “ordem antiga” (a do capitalismo regulado/organizado) que tanto impedem o colapso econômico-financeiro, pela ação dos bancos centrais, quanto o desespero maior dos excluídos – pela ação da solidariedade social, familiar etc. Quando o sofrimento é de populações numerosas, em países de dimensões continental, como o Brasil, a solidariedade é muito insuficiente e não há como afastar a ocorrência, mais cedo ou mais tarde, da afirmação política das massas contra a “revolta das elites” que impulsionou o liberalismo na Segunda metade do Século XX.

            Em todo lugar as resultantes macroeconômicas do programa neoliberal não parecem capazes de evitar a insistência das sociedades em dar nascimento a coletividade buscando racionalmente fins coletivamente elaborados e aprovados, na formulação e defesa do interesse humano público, apontada por Bourdieu como forma suprema da realização humana. (DeBourdieu, ver o livro “Contrafogos” e o artigo “A máquina infernal” na Folha de S. Paulo, 12/07/1998; pg.5-7)

 

 

Texto produzido por : José Carlos Braga - Prof. UNICAMP

 

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